SOBRE FALCÕES, ASTRONAUTAS E CAVALEIROS SOLITÁRIOS
Uma história de Marcelo de Carvalho Santos
..............................................................................................
Antigamente o homem pensava que a menor partícula que existia era o átomo, composto de um núcleo formado de prótons e nêutrons, com elétrons girando em seu redor.
Descobriu-se, depois, que havia partículas ainda menores, como os quarks. E sabe-se que existem entidades ainda menores que os quarks, talvez pequenas cordas de energia que, dependendo da freqüência com que vibram, formam toda a matéria que existe. Essa é a famosa TEORIA DAS CORDAS.
Tal qual a corda de um violão vibrando e produzindo uma determinada nota musical, assim seriam essas pequenas cordinhas, que, dependendo da freqüência com que vibrassem, produziriam um tipo de átomo, como o de ferro, de chumbo, de hidrogênio, por exemplo. Da vibração dessas pequenas cordinhas é que viriam as coisas sólidas, líquidas e gasosas.
Cada cordinha, vibrando numa freqüência diferente formaria todos os objetos que existem.
Sem elas não existiria nada.
Esta teoria diz também que em partes minúsculas do espaço existem outras dimensões, que nossos sentidos não conseguem perceber, e que seriam essas dimensões que fariam as cordinhas vibrar, cada uma de sua maneira.
Esta teoria evoluiu e hoje se pensa que existem Branas (diminutivo de “membranas”) no universo, e, inclusive, universos paralelos, chamados de bolhas.
Seriam infinitos universos, cada qual regido por leis físicas diferentes, mas muitos deles idênticos ao nosso, inclusive com cópias de nós mesmos.
Dentro de tal contexto o Big Bang (a explosão que teria dado origem ao nosso universo) teria tido origem em um choque entre dois universos.
Pensa-se também que os universos podem nascer de outros universos. Imagine o seguinte: o BURACO NEGRO, que de tão denso atrai tudo que está ao seu redor, sendo que dele nem a luz consegue escapar. Para onde iria toda a matéria sugada pelo buraco negro ? Resposta: Sairia do outro lado, o BURACO BRANCO, formando um universo paralelo. Ou um universo-bebê.
Ou seja, a probabilidade de haver muitos universos é realmente muito grande.
A história que será contada a partir daqui nada mais é do que uma fábula futurista, baseada em princípios da física quântica, e que, provavelmente, colocará uma pulga atrás da sua orelha.
O dia era cinzento, mas o mar estava calmo. No ar apenas uma leve brisa, que fazia o barco ondular levemente. Daniel estava dormindo dentro do barco. Dormiu longas horas. Mas algo o despertou de seu sono. Daniel estava em alto mar. Mas não conseguia imaginar porque estava no mar. Lembrava-se apenas da cerimônia na casa de Jean-Claude. Saiu para o convés. Estava sozinho. Para todos os lados que olhava somente via o mar encontrando o céu cinzento. Era um dia triste. Aos poucos as nuvens finas e azuis cinzentas foram ganhando corpo. As nuvens foram se acumulando e tornando-se cada vez mais cinzas. O cinza foi escurecendo até quase tornar-se negro. As nuvens agora eram negras. Apesar das quatro horas da tarde, parecia que era quase noite. O mar começava a agitar-se cada vez mais. Daniel pensava: “Onde é que eu vim parar ?” Em todo caso, vendo que o mar ficava agitado vestiu um colete salva-vidas e posicionou o barco de encontro às ondas, ficando firme no leme.
As ondas cinzas cresciam rapidamente e já eram mais altas que o barco. A escuna subia e quando descia as gigantescas vagas Daniel sentia um enorme frio no estômago. Subia, descia, subia, descia, ... . De repente, desencadeia uma violenta tempestade. O céu completamente negro e a chuva torrencial. Agora já era possível ver ondas com cristas cristalinas, cristas que quebravam sobre a embarcação. As espumas das ondas arrebentavam sobre o convés e escorriam ruidosamente de volta ao mar. Ouvia-se o ranger da madeira contorcendo-se.
As pesadas gotas de chuva e os estilhaços das ondas que explodiam sobre o convés como granadas, castigavam os olhos de Daniel. Uma mão no leme e outra sempre limpando o rosto para poder enxergar a direção do barco. A água escorria do convés para dentro da cabine, encharcando sua cama e cobrindo já cerca de dez centímetros o chão do barco. Mas duas ondas gigantescas, em sentidos opostos, resolveram chocar-se em hora imprópria e bem em cima da embarcação. Foi uma verdadeira explosão. Pedaços de madeira voaram para todos os lados. Daniel voou para fora do barco, caindo ileso dentro d’água. Parecia um milagre que não tivesse sido partido ao meio com a violência da explosão. Ao cair dentro da água, Daniel afundou cerca de 3 metros , tamanha foi a força com que foi arremessado. Pensou que estava se afogando e agitou os braços em direção àquilo que pensava ser a superfície. Mas havia perdido completamente o senso de direção. Ao invés de subir, ainda atordoado, mergulhou mais ainda para o fundo do mar. Quando se deu conta, virou-se e tentou desesperadamente libertar-se das águas e respirar o ar lá fora. Parecia uma interminável jornada. Sentia que seus pulmões e cabeça iriam explodir, quando, felizmente, alçou vôo acima da linha da água, como um golfinho saltando em um parque aquático.
Via pedaços de madeira por todos os lados. Eram os restos da escuna que iam se dispersando com as ondas, que continuavam, impiedosamente, a açoitar o pobre Daniel. Daniel agarrou o primeiro objeto que flutuava à sua frente. Tratava-se de uma escrivaninha de madeira da Escuna. Agarrou-se firme e aguentou longas sete horas de terrível tempestade.
Finalmente, a tempestade acalmou-se e as ondas refrearam seus ânimos, como que adormecendo, após uma súbita explosão de fúria. Algumas gotas ainda pingavam sobre a cabeça de Daniel, que fechava os olhos e chorava, mais desiludido que desesperado. Era noite. Noite escura de lua nova. As nuvens que iam se dissipando deixavam entrever as estrelas, que brilhavam intensamente. Daniel estava cansado. Extenuado, seria a palavra mais apropriada. Com algum esforço, subiu sobre a escrivaninha que boiava e deitou-se de barriga para cima, com as pernas mergulhadas no mar calmo, uma mão sobre a barriga e outra estendida, os dedos soltos sobre a água. Dormiu. Quando abriu os olhos, já com o sol queimando-lhe as faces, Daniel levantou o dorso subitamente, sentindo terrível dor nas costas. Sua vista estava turva. Não conseguia enxergar direito.
Um pássaro havia pousado sobre uma das pernas da escrivaninha e fitava-o curioso. Daniel olhou-o e sentiu arrepiar-se. Era o falcãozinho que voava em torno dele na cerimônia de Jean-Claude. O pássaro alçou vôo e soltou estridente som parecido com uma gargalhada. Uma pena veio flutuando no ar até cair sobre seu nariz. Olhou o pássaro sumir de sua vista, voando em direção a um vulto distante que parecia ser uma cadeia de montanhas. Olhou para todas as direções. Achou que em breve algo iria acontecer. Um buraco iria se abrir no ar e ele seria sugado para dentro dele. Estava meio entorpecido pelo cansaço, pela sede, pela fome. Teve a nítida sensação de que iria sumir de novo.
Apesar de não enxergar direito, ouvia o barulho de rebentações, significando que estava próximo de alguma praia. Estreitando os olhos e firmando o foco conseguiu ver o litoral que se estendia diante de si.
O que vira quando acompanhava o vôo solitário do pássaro era, realmente, uma serra, uma cadeia de montanhas. Virou-se de bruços e passou a nadar loucamente em direção à praia. Quando atingiu as primeiras ondas, deslizou rapidamente até a parte mais rasa, até que sua escrivaninha encalhou na areia. Daniel levantou-se, cambaleando. Tirou o colete salva-vidas, a camisa, e deitou-se na areia, ainda cansado, voltando a dormir por algum tempo. Ao despertar, quis pensar que tudo não passou de um sonho. Mera ilusão. Daniel virou-se e viu a selva que terminava na areia da praia, a poucos metros de onde ele estava. Daniel não compreendeu. Nunca havia visto nada parecido. Praia, selva, um céu escuro meio avermelhado, uma bruma espessa, estranha, sinistra até. Era dia, mas parecia o entardecer. No entanto, o clima daquele lugar era como em um filme de terror. Daniel tinha sede. Levantou-se e caminhou em direção à floresta. Procurou coqueiros, mas um coqueiro não combinaria com paisagem tão desoladora, tão sinistra. O que via era uma mata fechada e cipós em abundância. Daniel não tinha faca, não tinha lanterna, não tinha absolutamente nada. Mal conseguia enxergar um palmo à frente do nariz, tamanha era a serração. Fora pego de surpresa quando da tempestade. Não se preparou para um naufrágio, a não ser pelo colete salva-vidas. Caminhou pela praia margeando a floresta, procurando uma brecha por onde entrar e procurar água. Vestia apenas as calças, sem sapatos e sem camisa, quando percebeu que sentia frio, muito frio. Voltou e pegou suas roupas, inclusive um impermeável que havia sido trazido pelas ondas, vestindo-os. Voltou a procurar uma entrada na floresta, desta vez andando em sentido contrário, até que viu algo, um vulto. Não conseguia estabelecer com segurança o que vira.
Apenas sabia que vira algo. Gritou alto e ouviu apenas o eco de sua própria voz. Avistou novamente o vulto por detrás da bruma e sentiu um frio cortar-lhe a espinha. Mas não tinha alternativa. Caminhou até onde havia visto o vulto. Chegando ao local, viu uma trilha e adentrou-a. Parecia uma picada, dessas que ele mesmo fazia quando era escoteiro. Caminhou por essa trilha e pensava ouvir vozes espectrais. Pareciam aquelas vozes do além que se ouve em filmes de fantasmas. A bruma não lhe permitia enxergar direito. Repetidamente via espectros. Sua mente tornou-se confusa. Não conseguia distinguir se aquilo que estava vivendo era realidade ou sonho. Ouvia murmúrios, tais como: “O que ele está fazendo aqui ?”; ”Como conseguiu chegar ?”. Eram vozes baixas, sussuros. Parecia que pessoas sussurravam ao seu redor. Parecia que pessoas ou algo similar a pessoas andavam, ou flutuavam, ao seu redor. Chegou a sentir algo tocá-lo e virou-se. Ao virar-se subitamente, tropeçou e caiu de bruços sobre um tronco de árvore caído sobre o caminho. Ali deitado, passou a ouvir mais e mais vozes. Parecia que uma multidão reunia-se em torno dele. Ainda de bruços, levantou a cabeça e virou-se de barriga para cima, os olhos fechados, com medo de ver algo que não queria. Quis abrir os olhos e não conseguiu. Os olhos pareciam presos, amarrados. Ouvia vozes dizerem baixinho. “Será que está machucado ?” Daniel abriu os olhos e desta vez enxergou. Pessoas esfarrapadas, extremamente pálidas, parecendo recém saídas de túmulos, flutuavam sobre ele, fuzilando-o com olhares que iam desde o mais absoluto espanto até a mais profunda ternura e piedade. Dezenas de pessoas flutuavam ao seu redor. Pareciam deitadas sobre ele, flutuando e olhando-o diretamente nos olhos. As palavras que diziam não sincronizavam com os movimentos dos lábios, parecendo que estavam sendo mal dublados. Também não pareciam ser vozes reais, mais parecendo sussurros espectrais. Daniel desmaiou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário